3 de novembro de 2014

Michel Odent fala sobre parto, nascimento e ocitocina

Michel Odent,  obstetra francês conhecido pelos conceitos de sala de parto como casa e da utilização das piscinas de parto. Fundador do centro de pesquisa: Primal Health Research Center em Londres. Possui 12 livros publicados em 22 línguas e mais de 50 artigos científicos.
Ele defende a “mamiferização” do parto, que é como chama o conjunto de ações que fazem com que o nascimento respeite as condições inatas da mulher. Quanto mais máquinas, especialistas por perto e iluminação, menor a segurança da mulher no momento em que ela precisa estar tranquila para dar à luz, diz Odent. O bebê deveria ficar com a mãe assim que nasce e ser amamentado na primeira hora de vida. Sempre lembrando que somos animais, o obstetra fala sobre a fisiologia do parto, sobre os hormônios e substâncias ligadas ao nascimento e ao medo, que podem causar dor.


 Abaixo entrevista para Gazeta do Povo:

No Brasil, preconiza-se o parto humanizado que, além de prever a presença do pai ou acompanhante na sala, propõe que o bebê fique no quarto com a mãe logo depois do nascimento. O que o senhor considera parto humanizado?
Entendo o parto humanizado de uma maneira diferente. É preciso redescobrir o nascimento, libertar-se de tudo quanto é crença e ritual milenar ou cultural, eliminando o que é especificamente humano. A começar pela linguagem, que é o método humano de comunicação. É preciso satisfazer as necessidades universais específicas de mamíferos, como, por exem­­­plo, ter segurança. Na floresta, se uma fêmea está para ter um filhote e percebe que há um predador por perto, vai liberar adrenalina, essencial em uma situação de emergência na necessidade de partir para a luta. Essa adrenalina vai bloquear o parto, postergar o nascimento. A segurança é uma necessidade básica para qualquer mamífero. Outra necessidade básica é não se sentir observado. Então, mais do que humanizar o parto, é preciso “ma­­­­miferizar” o nascimento e por isso essa expressão parto hu­­­manizado não tem o mesmo sig­­­­nificado para mim. Humanizar é usar um número grande de ferramentas, é a cesária.

O Brasil é considerado um dos campeões em números de cesárias. O senhor acha que isso é uma consequência cultural ou uma escolha médica?
O Brasil não é exatamente o campeão em número de cesárias. Encontramos número ele­­­­­vado em todos os países onde existe um grande número de mé­­­­­dicos obstetras e nos quais as parteiras desapareceram. Aconte­­­ce em todas as grandes cidades da Amé­­­­­rica Latina, chinesas, indianas, coreanas, iranianas, ou em qualquer parte do mundo onde o número de médicos especialistas é grande.

Na sua opinião, qual é o principal argumento para convencer as brasileiras de que o parto normal é melhor do que a cesária?
Não sei se o objetivo é convencer. Não gosto de usar essa palavra porque o que busco é compreender qual a necessidade básica da mulher. Tive a oportunidade de conversar com estudantes do Rio de Janeiro, adolescentes, e elas afirmaram que gostariam de ter parto normal. Então, creio que o obstáculo está em entender a necessidade das mulheres.

O medo da dor no parto e as facilidades de equipamentos encontradas hoje nos hospitais faz com que muitas mulheres, principalmente das classes média e alta, optem pelo parto cesáreo. O que diria a elas?
Quanto mais difícil é o parto, maior a dor. É preciso aprender a ter partos fáceis. Quando são fáceis, o sistema fisiológico protege a mulher da dor porque o nascimento é eficaz. É o parto que libera uma boa quantidade de endorfina pelo cérebro, assim como a ocitocina, fazendo com que a dor fique de lado. Ou pelo menos ela não é tão percebida. Quando existe esse equilíbrio, mesmo que haja dor, as mulheres a esquecem logo em seguida ao parto, ao contrário de quando há uma quantidade desequilibrada desses hormônios, quando há presença da adrenalina. Para que esse parto mais tranquilo aconteça, é preciso que o ambiente seja propício. O que aprendi em 50 anos acompanhando partos, seja em casa ou no hospital, é que o ambiente facilita o procedimento e reduz a dor. Esse ambiente deve ser silencioso, sem tanta gente em volta observando, sem tanta luz. Quanto mais simples, mais eficaz é o parto. Para isso é preciso compreender a fisiologia do parto e redescobrir o que é mais simples.

Recentemente, a modelo Brasi­­­­leira Gisele Bündchen teve um parto em casa, em uma banheira, o que despertou curiosidade sobre esse modelo de parto. Está se tornando comum? Quais as condições para esse tipo de parto, em casa?
A mulher que vai ter o bebê necessita se sentir segura e para isso não há uma regra para todas. Ela pode se sentir segura em casa, com uma parteira, ou perto de máquinas. São mulheres diferentes, mas que têm a mesma necessidade de segurança. Hoje o parto domiciliar é possível em uma sociedade urbana na qual as mu­­­­lheres vivem perto dos melhores hospitais. O ideal seria combinar o que há de bom em casa com o que há de bom no hospital.

http://www.gazetadopovo.com.br/viverbem/conteudo.phtml?id=998399&ch=

Entrevista para a revista Pais & Filhos:

Nós sempre começamos a entrevista falando da origem do entrevistado, sobre a família, os pais... Eu queria começar pela profissão dos seus pais.
Nasci em um vilarejo a 80 quilômetros de Paris que se chama Bresles. Minha mãe era professora no berçário do sistema público francês e meu pai era contador na usina de açúcar local. O interessante é que minha mãe foi uma das primeiras professoras de berçário da França influenciada por Maria Montessori [médica e educadora italiana, fundadora do método Montessori, que tem como base os conceitos de atividade, individualidade e liberdade]. Isso foi logo após a Primeira Guerra Mundial, em torno do ano de 1919. Minha mãe ficou impressionada pelo que ela ensinava, foi a Paris para assistir a uma palestra dela e isso foi o começo de tudo.

Gostaria de saber como foi o seu nascimento.
Nasci em casa, em 1930, com a única parteira do vilarejo. Meu pai estava em casa, mas não entrou no quarto. Eu sou o filho mais velho e, de acordo com a minha mãe, o dia do meu nascimento foi o mais feliz da vida dela. Ela teve a primeira contração às 22h e eu nasci à meia-noite.

Ficavam só a sua mãe e a parteira no quarto?
Eu acho que era a minha mãe, a mãe dela, minha avó, que estava morando no vilarejo. Naquela época o parto era uma coisa de mulher. O pai não entrava no quarto.

Você acredita que a maneira como você nasceu tem alguma influência no seu trabalho, na sua vida?
É difícil saber. Nós somos expostos a tantas influências que é difícil analisar e dizer o que provocou um efeito em uma instância de indivíduo. É impossível dizer. Você pode analisar o efeito em um grande número de pessoas. O resultado de todos os estudos que tenho acompanhado dizem que o período mais crítico é o momento do nascimento, porque é o momento em que acontece a interação dos genes com o ambiente. Atualmente não se fala em quais são os fatores de risco, mas quando acontece essa exposição, o timing. Por exemplo, crianças autistas estão dentro da média em relação ao resto da população no que diz respeito ao peso, circunferência da cabeça e peso da placenta, então você percebe que aquilo que acontece antes do nascimento não é tão importante. Apesar de todos os modismos, não existe nenhum estudo que demonstra a relação entre certas vacinas dadas a bebês e o surgimento de autismo. Temos razões para acreditar que a indução do trabalho de parto é um importante fator de risco.

De onde vem essa teoria?
Estamos fazendo uma pesquisa em Málaga, na Espanha, para testar se a exposição à forma sintética do hormônio da ocitocina durante o trabalho de parto pode ser um fator de risco para o autismo. Parece que a ocitocina sintética pode atravessar a placenta, chegar até o bebê e atingir sua circulação. E quando chega ao cérebro dele, pode interferir no desenvolvimento, em particular do sistema de ocitocina do feto e isso pode causar problemas para sintetizar ocitocina.

A ocitocina é o hormônio do amor, certo?
A ocitocina tem ação dupla: ela contrai o útero, possibilitando o nascimento do bebê e a saída da placenta. Por isso é o hormônio mais importante para o nascimento. Além disso, é ela a responsável por contrair os dutos mamários para que o leite materno seja liberado. O hormônio permite que o útero seja contraído também durante o orgasmo. E a ocitocina é responsável até pela ejaculação, já que ela manda uma mensagem para a próstata e vesícula seminal para que se contraiam. Tudo isso é a função mecânica da ocitocina. Agora descobrimos que ela tem um importante papel no âmbito comportamental. E podemos resumir dizendo: qualquer que seja a faceta do amor, a ocitocina está sempre envolvida.
Como você chegou a essa conclusão?
No nosso estudo, em Málaga, contamos com um grande hospital, com seis mil nascimentos por ano. Lá, acompanhamos bebês nascidos em 2006, que agora tem cinco anos, e sabemos tudo sobre como eles nasceram, os medicamentos a que foram expostos. Entrevistamos suas famílias e procuramos por autismo e outras patologias. Também verificamos a qualidade e duração do aleitamento materno, já que, em teoria, altos níveis de ocitocina sintética aplicada durante o trabalho de parto podem tornar os receptores dos seios menos sensíveis na hora da descida do leite. O amplo uso de ocitocina deve explicar porque tantas mulheres têm dificuldade em amamentar.

Qual é a solução para evitar o uso de ocitocina, caso a mulher não entre em trabalho de parto até 42 semanas?
Você pode monitorar o bebê diariamente, se ele estiver bem não há motivo para tirá-lo do útero. O trabalho de parto é um processo involuntário e como tal, você não pode apressá-lo. É como se você pedisse ao seu esôfago para se contrair mais rapidamente. A ideia em voga atualmente é: “Você não pode parir sozinha”, você precisa de um treinador, alguém que possa te dizer quando fazer força, como tem que respirar, se você está em uma boa posição... Não! O que a mulher precisa é ser protegida de interferências que possam inibir o trabalho de parto. Ela não pode usar a área do cérebro ligada ao intelecto, ela tem que usar as estruturas arcaicas do cérebro. Um conceito físico que pode ser útil é o antagonismo entre adrenalina e ocitocina: quando os mamíferos liberam adrenalina eles não pode liberar ocitocina. Os mamíferos liberam a adrenalina em situações de emergência, particularmente quando estão assustados, quando se sentem observados ou quando estão com frio.

E após o nascimento, o que é mais importante para o bebê?
Temos algumas razões para manter otimismo, apesar de nos encontrarmos no fundo do poço. Descobertas científicas do século 20 nos levaram a acreditar no óbvio: o bebê precisa de sua mãe. Pode parecer óbvio para as gerações mais novas, mas para a minha não era. Antigamente os bebês eram separados de suas mães ao nascer. Hoje, graças à ciência moderna, sabemos que o bebê tem que ficar com a sua mãe quando nasce, que o leite materno é a melhor fonte de alimento e que a mãe é a melhor incubadora que existe. Os estudos nos mostraram o que aprendemos com os outros mamíferos. Com os outros mamíferos há um apego estabelecido imediatamente após o nascimento da cria. Com isso, aprendemos que o corpo do bebê deve ser colonizado por “germes amigos”, as bactérias que estão no corpo da mãe. No mundo ideal o contato do bebê recém-nascido deveria acontecer somente com uma pessoa, sua mãe. É incrível que tenhamos precisado da ciência para descobrir isso!

Você estava presente no parto dos seus filhos?
Para o nascimento da primeira, Sylvie, que nasceu em 1958, não pude estar lá. Na época o pai nunca ficava na sala de parto, além disso, eu estava na Argélia a serviço militar. Para o segundo, Christophe, estive presente por sorte. Estava almoçando e minha mulher falou: “Eu acho que o bebê está descendo”. Antes de voltar ao hospital a examinei e ela estava com cinco centímetros de dilatação, em trabalho de parto! Então eu disse: “Preciso voltar ao hospital, venha comigo”. Chegamos e ela deu à luz logo depois! O último foi Pascal, a mãe dele tinha 38 anos, era seu primeiro filho, e a gravidez era considerada de alto risco porque ela tinha esclerose múltipla. Por isso, ela quis dar à luz em casa e tínhamos que ligar para duas parteiras amigas nossas porque em 1985 eu não era registrado como médico na Inglaterra. Então foi uma situação ideal: estávamos só nós dois em casa e ela estava sozinha no quarto. Mas eu sempre encontrava uma desculpa para não estar com ela diretamente. Resultado: o bebê nasceu três horas depois da primeira contração. A parteira chegou na mesma hora que ele! Ela deu à luz no banheiro, eu estava lá, mas por sorte, mais uma vez.

Qual é a sua formação?
Ironicamente não me formei como obstetra, sou cirurgião. Em 1962 trabalhei em um hospital de uma cidade a 80 quilômetros de Paris, era o encarregado pela unidade de cirurgia. Extraoficialmente, por eu saber a técnica da cesárea, fiquei responsável pela maternidade também. Conforme conversava com as parteiras, me tornava mais interessado pela psicologia do parto e entendi que muitas regras aplicadas por lá eram reais. Então mudamos as regras para tudo, mas não foi do dia para a noite, isso levou anos.

Como vocês quebravam as regras?
Substituímos a tradicional sala de parto por uma salinha que se parecia com o quarto de uma casa, para que a mulher pudesse esquecer que estava em um hospital. Trouxemos um piano e convidamos as grávidas para cantar, se familiarizar com o lugar e com as parteiras. Compramos uma piscina inflável e usamos como opção de alívio da dor, no lugar dos medicamentos. Quando cheguei ao hospital em 1962 eram 200 partos por ano, e em 1977 eram mil nascimentos por ano. Continuei como o único médico da maternidade, com seis parteiras. Me falaram de uma maternidade com 800 partos por ano e 15 obstetras. Então quando digo que fui o responsável, sozinho, por mil partos, os outros médicos não podem acreditar! E eu nem sou obstetra!

http://www.paisefilhos.com.br/bebe/michel-odent

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