Michel Odent, obstetra francês conhecido pelos conceitos de sala de
parto como casa e da utilização das piscinas de parto. Fundador do
centro de pesquisa: Primal Health Research Center em Londres. Possui 12
livros publicados em 22 línguas e mais de 50 artigos científicos.
Ele defende a “mamiferização” do parto, que é como chama o conjunto
de ações que fazem com que o nascimento respeite as condições inatas da
mulher. Quanto mais máquinas, especialistas por perto e iluminação,
menor a segurança da mulher no momento em que ela precisa estar
tranquila para dar à luz, diz Odent. O bebê deveria ficar com a mãe
assim que nasce e ser amamentado na primeira hora de vida. Sempre
lembrando que somos animais, o obstetra fala sobre a fisiologia do
parto, sobre os hormônios e substâncias ligadas ao nascimento e ao medo,
que podem causar dor.
Abaixo entrevista para Gazeta do Povo:
No Brasil, preconiza-se o parto humanizado que, além de
prever a presença do pai ou acompanhante na sala, propõe que o bebê
fique no quarto com a mãe logo depois do nascimento. O que o senhor
considera parto humanizado?
Entendo o parto humanizado de uma maneira diferente. É preciso
redescobrir o nascimento, libertar-se de tudo quanto é crença e ritual
milenar ou cultural, eliminando o que é especificamente humano. A
começar pela linguagem, que é o método humano de comunicação. É preciso
satisfazer as necessidades universais específicas de mamíferos, como,
por exemplo, ter segurança. Na floresta, se uma fêmea está para ter
um filhote e percebe que há um predador por perto, vai liberar
adrenalina, essencial em uma situação de emergência na necessidade de
partir para a luta. Essa adrenalina vai bloquear o parto, postergar o
nascimento. A segurança é uma necessidade básica para qualquer mamífero.
Outra necessidade básica é não se sentir observado. Então, mais do que
humanizar o parto, é preciso “mamiferizar” o nascimento e por isso
essa expressão parto humanizado não tem o mesmo significado para
mim. Humanizar é usar um número grande de ferramentas, é a cesária.
O Brasil é considerado um dos campeões em números de
cesárias. O senhor acha que isso é uma consequência cultural ou uma
escolha médica?
O Brasil não é exatamente o campeão em número de cesárias.
Encontramos número elevado em todos os países onde existe um grande
número de médicos obstetras e nos quais as parteiras
desapareceram. Acontece em todas as grandes cidades da América
Latina, chinesas, indianas, coreanas, iranianas, ou em qualquer parte do
mundo onde o número de médicos especialistas é grande.
Na sua opinião, qual é o principal argumento para convencer as brasileiras de que o parto normal é melhor do que a cesária?
Não sei se o objetivo é convencer. Não gosto de usar essa palavra
porque o que busco é compreender qual a necessidade básica da mulher.
Tive a oportunidade de conversar com estudantes do Rio de Janeiro,
adolescentes, e elas afirmaram que gostariam de ter parto normal. Então,
creio que o obstáculo está em entender a necessidade das mulheres.
O medo da dor no parto e as facilidades de equipamentos
encontradas hoje nos hospitais faz com que muitas mulheres,
principalmente das classes média e alta, optem pelo parto cesáreo. O que
diria a elas?
Quanto mais difícil é o parto, maior a dor. É preciso aprender a ter
partos fáceis. Quando são fáceis, o sistema fisiológico protege a mulher
da dor porque o nascimento é eficaz. É o parto que libera uma boa
quantidade de endorfina pelo cérebro, assim como a ocitocina, fazendo
com que a dor fique de lado. Ou pelo menos ela não é tão percebida.
Quando existe esse equilíbrio, mesmo que haja dor, as mulheres a
esquecem logo em seguida ao parto, ao contrário de quando há uma
quantidade desequilibrada desses hormônios, quando há presença da
adrenalina. Para que esse parto mais tranquilo aconteça, é preciso que o
ambiente seja propício. O que aprendi em 50 anos acompanhando partos,
seja em casa ou no hospital, é que o ambiente facilita o procedimento e
reduz a dor. Esse ambiente deve ser silencioso, sem tanta gente em volta
observando, sem tanta luz. Quanto mais simples, mais eficaz é o parto.
Para isso é preciso compreender a fisiologia do parto e redescobrir o
que é mais simples.
Recentemente, a modelo Brasileira Gisele Bündchen teve um
parto em casa, em uma banheira, o que despertou curiosidade sobre esse
modelo de parto. Está se tornando comum? Quais as condições para esse
tipo de parto, em casa?
A mulher que vai ter o bebê necessita se sentir segura e para isso
não há uma regra para todas. Ela pode se sentir segura em casa, com uma
parteira, ou perto de máquinas. São mulheres diferentes, mas que têm a
mesma necessidade de segurança. Hoje o parto domiciliar é possível em
uma sociedade urbana na qual as mulheres vivem perto dos melhores
hospitais. O ideal seria combinar o que há de bom em casa com o que há
de bom no hospital.
http://www.gazetadopovo.com.br/viverbem/conteudo.phtml?id=998399&ch=
Entrevista para a revista Pais & Filhos:
Nós sempre começamos a entrevista
falando da origem do entrevistado, sobre a família, os pais... Eu queria
começar pela profissão dos seus pais.
Nasci em um vilarejo
a 80 quilômetros de Paris que se chama Bresles. Minha mãe era
professora no berçário do sistema público francês e meu pai era contador
na usina de açúcar local. O interessante é que minha mãe foi uma das
primeiras professoras de berçário da França influenciada por Maria
Montessori [médica e educadora italiana, fundadora do método Montessori,
que tem como base os conceitos de atividade, individualidade e
liberdade]. Isso foi logo após a Primeira Guerra Mundial, em torno do
ano de 1919. Minha mãe ficou impressionada pelo que ela ensinava, foi a
Paris para assistir a uma palestra dela e isso foi o começo de tudo.
Gostaria de saber como foi o seu nascimento.
Nasci em casa, em 1930, com a única parteira do vilarejo. Meu pai
estava em casa, mas não entrou no quarto. Eu sou o filho mais velho e,
de acordo com a minha mãe, o dia do meu nascimento foi o mais feliz da
vida dela. Ela teve a primeira contração às 22h e eu nasci à meia-noite.
Ficavam só a sua mãe e a parteira no quarto?
Eu acho que era a minha mãe, a mãe dela, minha avó, que estava morando
no vilarejo. Naquela época o parto era uma coisa de mulher. O pai não
entrava no quarto.
Você acredita que a maneira como você nasceu tem alguma influência no seu trabalho, na sua vida?
É difícil saber. Nós somos expostos a tantas influências que é difícil
analisar e dizer o que provocou um efeito em uma instância de indivíduo.
É impossível dizer. Você pode analisar o efeito em um grande número de
pessoas. O resultado de todos os estudos que tenho acompanhado dizem que
o período mais crítico é o momento do nascimento, porque é o momento em
que acontece a interação dos genes com o ambiente. Atualmente não se
fala em quais são os fatores de risco, mas quando acontece essa
exposição, o timing. Por exemplo, crianças autistas estão dentro da
média em relação ao resto da população no que diz respeito ao peso,
circunferência da cabeça e peso da placenta, então você percebe que
aquilo que acontece antes do nascimento não é tão importante. Apesar de
todos os modismos, não existe nenhum estudo que demonstra a relação
entre certas vacinas dadas a bebês e o surgimento de autismo. Temos
razões para acreditar que a indução do trabalho de parto é um importante
fator de risco.
De onde vem essa teoria?
Estamos fazendo uma pesquisa em Málaga, na Espanha, para testar se a
exposição à forma sintética do hormônio da ocitocina durante o trabalho
de parto pode ser um fator de risco para o autismo. Parece que a
ocitocina sintética pode atravessar a placenta, chegar até o bebê e
atingir sua circulação. E quando chega ao cérebro dele, pode interferir
no desenvolvimento, em particular do sistema de ocitocina do feto e isso
pode causar problemas para sintetizar ocitocina.
A ocitocina é o hormônio do amor, certo?
A ocitocina tem ação dupla: ela contrai o útero, possibilitando o
nascimento do bebê e a saída da placenta. Por isso é o hormônio mais
importante para o nascimento. Além disso, é ela a responsável por
contrair os dutos mamários para que o leite materno seja liberado. O
hormônio permite que o útero seja contraído também durante o orgasmo. E a
ocitocina é responsável até pela ejaculação, já que ela manda uma
mensagem para a próstata e vesícula seminal para que se contraiam. Tudo
isso é a função mecânica da ocitocina. Agora descobrimos que ela tem um
importante papel no âmbito comportamental. E podemos resumir dizendo:
qualquer que seja a faceta do amor, a ocitocina está sempre envolvida.
Como você chegou a essa conclusão?
No nosso estudo, em Málaga, contamos com um grande hospital, com seis
mil nascimentos por ano. Lá, acompanhamos bebês nascidos em 2006, que
agora tem cinco anos, e sabemos tudo sobre como eles nasceram, os
medicamentos a que foram expostos. Entrevistamos suas famílias e
procuramos por autismo e outras patologias. Também verificamos a
qualidade e duração do aleitamento materno, já que, em teoria, altos
níveis de ocitocina sintética aplicada durante o trabalho de parto podem
tornar os receptores dos seios menos sensíveis na hora da descida do
leite. O amplo uso de ocitocina deve explicar porque tantas mulheres têm
dificuldade em amamentar.
Qual é a solução para evitar o uso de ocitocina, caso a mulher não entre em trabalho de parto até 42 semanas?
Você pode monitorar o bebê diariamente, se ele estiver bem não há
motivo para tirá-lo do útero. O trabalho de parto é um processo
involuntário e como tal, você não pode apressá-lo. É como se você
pedisse ao seu esôfago para se contrair mais rapidamente. A ideia em
voga atualmente é: “Você não pode parir sozinha”, você precisa de um
treinador, alguém que possa te dizer quando fazer força, como tem que
respirar, se você está em uma boa posição... Não! O que a mulher precisa
é ser protegida de interferências que possam inibir o trabalho de
parto. Ela não pode usar a área do cérebro ligada ao intelecto, ela tem
que usar as estruturas arcaicas do cérebro. Um conceito físico que pode
ser útil é o antagonismo entre adrenalina e ocitocina: quando os
mamíferos liberam adrenalina eles não pode liberar ocitocina. Os
mamíferos liberam a adrenalina em situações de emergência,
particularmente quando estão assustados, quando se sentem observados ou
quando estão com frio.
E após o nascimento, o que é mais importante para o bebê?
Temos algumas razões para manter otimismo, apesar de nos encontrarmos
no fundo do poço. Descobertas científicas do século 20 nos levaram a
acreditar no óbvio: o bebê precisa de sua mãe. Pode parecer óbvio para
as gerações mais novas, mas para a minha não era. Antigamente os bebês
eram separados de suas mães ao nascer. Hoje, graças à ciência moderna,
sabemos que o bebê tem que ficar com a sua mãe quando nasce, que o leite
materno é a melhor fonte de alimento e que a mãe é a melhor incubadora
que existe. Os estudos nos mostraram o que aprendemos com os outros
mamíferos. Com os outros mamíferos há um apego estabelecido
imediatamente após o nascimento da cria. Com isso, aprendemos que o
corpo do bebê deve ser colonizado por “germes amigos”, as bactérias que
estão no corpo da mãe. No mundo ideal o contato do bebê recém-nascido
deveria acontecer somente com uma pessoa, sua mãe. É incrível que
tenhamos precisado da ciência para descobrir isso!
Você estava presente no parto dos seus filhos?
Para o nascimento da primeira, Sylvie, que nasceu em 1958, não pude
estar lá. Na época o pai nunca ficava na sala de parto, além disso, eu
estava na Argélia a serviço militar. Para o segundo, Christophe, estive
presente por sorte. Estava almoçando e minha mulher falou: “Eu acho que o
bebê está descendo”. Antes de voltar ao hospital a examinei e ela
estava com cinco centímetros de dilatação, em trabalho de parto! Então
eu disse: “Preciso voltar ao hospital, venha comigo”. Chegamos e ela deu
à luz logo depois! O último foi Pascal, a mãe dele tinha 38 anos, era
seu primeiro filho, e a gravidez era considerada de alto risco porque
ela tinha esclerose múltipla. Por isso, ela quis dar à luz em casa e
tínhamos que ligar para duas parteiras amigas nossas porque em 1985 eu
não era registrado como médico na Inglaterra. Então foi uma situação
ideal: estávamos só nós dois em casa e ela estava sozinha no quarto. Mas
eu sempre encontrava uma desculpa para não estar com ela diretamente.
Resultado: o bebê nasceu três horas depois da primeira contração. A
parteira chegou na mesma hora que ele! Ela deu à luz no banheiro, eu
estava lá, mas por sorte, mais uma vez.
Qual é a sua formação?
Ironicamente não me formei como obstetra, sou cirurgião. Em 1962
trabalhei em um hospital de uma cidade a 80 quilômetros de Paris, era o
encarregado pela unidade de cirurgia. Extraoficialmente, por eu saber a
técnica da cesárea, fiquei responsável pela maternidade também. Conforme
conversava com as parteiras, me tornava mais interessado pela
psicologia do parto e entendi que muitas regras aplicadas por lá eram
reais. Então mudamos as regras para tudo, mas não foi do dia para a
noite, isso levou anos.
Como vocês quebravam as regras?
Substituímos a tradicional sala de parto por uma salinha que se parecia
com o quarto de uma casa, para que a mulher pudesse esquecer que estava
em um hospital. Trouxemos um piano e convidamos as grávidas para
cantar, se familiarizar com o lugar e com as parteiras. Compramos uma
piscina inflável e usamos como opção de alívio da dor, no lugar dos
medicamentos. Quando cheguei ao hospital em 1962 eram 200 partos por
ano, e em 1977 eram mil nascimentos por ano. Continuei como o único
médico da maternidade, com seis parteiras. Me falaram de uma maternidade
com 800 partos por ano e 15 obstetras. Então quando digo que fui o
responsável, sozinho, por mil partos, os outros médicos não podem
acreditar! E eu nem sou obstetra!
http://www.paisefilhos.com.br/bebe/michel-odent
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