"Muitas mulheres morrem de pânico ao ouvir a palavra mecônio. Mas afinal, o que é realmente esse tão temido mecônio?
Assim que o tubo gastro-intestinal do
feto está formado, o bebê começa a ingerir líquido amniótico. Ingerir
líquido amniótico é um processo esperado e importante, primeiro porque o
feto já vai colocando a prova, todas as funções digestivas e
excretórias, e segundo porque mantem o tubo gastro-intestinal com a luz
aberta .
Isso significa que, a partir de
determinado momento na gestação, o bebê urina no liquido amniótico e o
engole com urina, com células mortas, lanugo (pelos que cobrem o
corpinho do feto), vernix (uma espécie de cera protetora da pele do
bebê). Todos esses compostos presentes no líquido amniótico, formarão o
mecônio dentro do intestino fetal que também será eliminado a partir da
maturidade do feto.
Alguns
exames, como a amnioscopia, permitem ao profissional que está
assistindo a gestante, observar as características do líquido amniótico
antes do rompimento da bolsa, e por vezes detecta a presença de mecônio.
Entretanto, é muito comum que, (pasmem!), ao realizar a cesárea ou
romper a bolsa, o líquido esteja clarinho sem nenhum sinal de mecônio!
Por isso mesmo, a maioria dos profissionais que praticam a Medicina
Baseada em Evidências abrem mão da amnioscopia.
Portanto “fazer cocô na barriga” é perfeitamente fisiológico, normal e esperado para um feto a termo.
Então porque, há tanto temor e tantas indicações de cesáreas quando é detectada a presença de mecônio no liquido amniótico?
Existem classificações da presença desse
mecônio, que vão desde “uma cruz” até “quatro cruzes”. Quando o mecônio é
fluido, ou seja, existe mais liquido amniótico do que mecônio, os
profissionais que assistem o parto, classificam-no com “uma cruz”.
Quanto mais escuro e menos fluido está o mecônio, mais cruzes ele ganha.
Uma vez espesso (ou seja, quando a
classificação do mecônio ganha “quatro cruzes” e esse mecônio se
assemelha a uma papa de ervilha), caso o feto entre em sofrimento fetal
durante o trabalho de parto, a chance de ocorrer a aspiração do mecônio é
grande, e um mecônio espesso pode trazer consequências graves para o
bebê, podendo leva-lo a óbito. Portanto, o mecônio em si, não é o vilão e
sim a quantidade reduzida de líquido amniótico, insuficiente para
diluir esse mecônio.
E porque há a diminuição do volume de líquido amniótico?
Existe uma diminuição fisiológica, normal
e esperada da quantidade de líquido amniótico ao final da gestação.
Quanto maior o bebê, menos espaço pra líquido amniótico haverá. Porém,
algumas situações (raras) podem causar a diminuição do líquido
amniótico, como por exemplo, o não funcionamento adequado da placenta,
ou alguma anormalidade com os rins do feto, que ao urinar em menor
quantidade, passará então a produzir menor quantidade de líquido
amniótico. E é aí que o obstetra, ou profissional que está assistindo
essa gestante, tem que focar: Investigar o porque da diminuição anormal
da quantidade de líquido amniótico.
Conheço um caso de um bebê que foi pra UTI após “engolir” mecônio
Nenhum bebê vai pra UTI por engolir
mecônio. O máximo que vai acontecer é esse bebê vomitar esse mecônio
após nascer. Bebês vão pra UTI porque aspiraram o mecônio. Enquanto está
dentro do útero, o feto não respira pelas vias aéreas, pois recebe
oxigênio pelo cordão umbilical através da circulação materna. Porém,
quando os níveis de oxigênio que chegam ao bebê não são suficientes,
esse feto vai tentar respirar para oxigenar seu sangue. Sendo assim, o
foco da assistência deve ser em como está a oxigenação e a vitalidade
desse bebê e não na presença de mecônio.
Fatores que podem reduzir o aporte de
oxigênio ao bebê durante o trabalho de parto, e portanto provocar o
reflexo de ”gasping” (aspiração) são:
- Uso de ocitocina sintética de forma
rotineira e sem acompanhamento criterioso da ausculta fetal: o uso de
ocitocina pode levar o útero da mulher a contrair de forma anormal,
prejudicando uma boa irrigação sanguínea do útero e resultando na má
oxigenação do feto.
- Manter a parturiente em posição
litotômica (deitada): Quando a mulher é mantida deitada, ou na posição
ginecológica, todo o seu peso, o peso do seu útero grávido com todo
conteúdo (bebê, líquido, placenta) pressiona a artéria uterina que está
localizada na região dorsal (costas), responsável por levar oxigênio ao
útero e ao feto.
- Cesariana: a cesárea, como qualquer
outra cirurgia, modifica todo padrão vital da mulher. A gestante é
submetida a anestesia, fica deitada e ainda tem o fator “tensão” que
acaba refletindo em uma respiração inadequada e portanto uma má
oxigenação do útero e do feto. Além disso, ainda temos que considerar
que o bebê ao ser manipulado bruscamente durante sua extração na
cesárea, pode a aspirar o líquido amniótico. Soma-se a isso o fato do
bebê não passar pelo canal de parto, e não sofrer a pressão em seu tórax
que ajuda a expelir qualquer líquido ou mecônio de seu pulmão, e a
cesárea se mal indicada, ao invés de ajudar, passa a ser mais um fator
complicador para esse recém-nascido.
Então se o bebê está bem, não precisa fazer cesárea?
O mecônio isoladamente, não é indicação
de cesárea, mas é um achado que deve ser considerado para analisar
outras formas de avaliação do bem estar fetal e pode, em determinadas
circunstâncias, requerer abreviação do nascimento. Por isso é importante
ter uma equipe que pratique a Medicina Baseada em Evidências.
Se durante o trabalho de parto, o mecônio
é fluido, o bebê apresenta boa vitalidade, boa movimentação fetal,
batimentos cardíacos tranquilizadores, a mãe tem liberdade de se
movimentar e se posicionar de forma a contribuir com a oxigenação fetal,
é possível que se continue (com monitoramento) com o trabalho de parto.
No parto normal, quando o bebê passa pelo canal de parto, recebe a
pressão positiva exercida sobre o tórax e isso ajuda, inclusive, a
liberar algum resíduo de mecônio ou liquido amniótico que tenha sido
aspirado.
Porém
caso algum desses fatores saia de controle, a equipe poderá optar por
antecipar o nascimento por via vaginal (com ajuda de fórceps de alívio
ou vácuo extrator se o trabalho de parto estiver na fase do expulsivo)
ou por via cirúrgica, caso o trabalho de parto ainda esteja na 1a fase
(dilatação)."
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