Pq nem tudo são flores, mas ainda assim pode ser muito bonito.
Nada na vida é sempre bom, na maternidade não seria diferente!
Nossa sociedade vende uma imagem idílica do período após o parto. Basta ver o que aparece no Google quando se digita “puerpério”:
fotos de mães sorrindo, bebês tranquilos, tudo muito calmo e iluminado…
A visão do paraíso materno. Eu mesma contribuo para isso quando escolho
imagens aqui para o blog, tenho que admitir.
Mas não se iluda: o puerpério costuma ser PUNK.
Embora seja mágico ter o seu filho nos braços, a chegada de um bebê
vira a vida da família de ponta cabeça. Além das grandes mudanças de
cunho prático (mamadas, higiene, sono etc.), para a mulher em especial
tem o agravante de que seu corpo passa por transformações inéditas;
independente da via de nascimento, o corpo dói, o útero contrai, os
hormônios fluem, os peitos enchem, os mamilos ardem (uns mais, outros
menos) e as emoções transbordam. Os órgãos abdominais estão se
ajustando, e a sensação de que algo não está muito normal internamente
pode ser vivida com estranheza ou até pânico. Quando o nascimento é
via cesariana, o corpo precisa se recuperar das lesões; ações
corriqueiras como tossir, levantar-se e agachar se tornam delicadas,
mesmo quando a dor está sendo medicada ou está suportável. E o termo
“cansaço” ganha uma nova dimensão…
No campo emocional, a transformação é ainda mais complexa. A mulher,
que antes era alvo de tanto carinho e afeto enquanto grávida, passa a
ser praticamente ignorada, já que todos os olhos estão voltados para o
bebê. E dá-lhe pitacos, conselhos, julgamentos e orientações (muitas
prejudiciais) para cima dela! Mesmo quem tem a sorte de não ser rodeada
por gente sem noção vive uma transição monumental. A ansiedade e a
idealização que caracterizam o fim da gravidez se transformam em
dúvidas, medos, amor (que, às vezes, demora a se manifestar),
desconfortos, alegria, cansaço, choro… Tudo junto e misturado, e muito
difícil de articular, especialmente quando somente o lado idílico da
maternidade é promovido e assimilado pela nossa cultura, como vimos pelo
Mestre Google.
Existe uma ausência de informações sobre a experiência do pós-parto (esse relato aqui é
uma exceção). A informação disponível é focada no aspecto “médico” ou
nas “obrigações de cuidados”. Parte do problema é que quem acompanha a
nova família por esse período são os profissionais médicos, o obstetra e
o pediatra, que foram treinados para observar e agir sobre a parte
física e tangível: como cuidar dos pontos ou do desconforto perineal, o
que não fazer no período de resguardo, como fazer a higiene de coto
umbilical etc. Os aspectos emocionais são ignorados ou rotulados com
termos tipo”baby blues” e”depressão pós-parto”, o que nem sempre ajuda
quem está imersa em toda a gama de emoções do pós-parto, mas que não
necessariamente sofre de uma condição psiquiátrica (por favor, vejam a NOTA abaixo sobre depressão pós-parto, um assunto sério que deve ser tratado em consultório).
A vida moderna, por motivos socioculturais e econômicos,
infelizmente contribui para dificultar esse período. Antes da família
nuclear, quando vivíamos em grupos familiares maiores ou em tribos, a
comunidade (de mulheres, geralmente) cuidava intensamente da nova mãe
para que ela tivesse a força e o ânimo para cuidar do recém-nascido:
massagens, refeições especiais, repouso e resguardo faziam parte desse
rito de passagem. A mulher era, literalmente, banhada em afeto e suporte
para, assim, nutrir o bebê. Hoje, mesmo com os homens muito mais
envolvidos nas tarefas de cuidar, a mulher moderna tem somente uma ou
duas (ou no máximo três) outras pessoas para ajudá-la: o companheiro e
sua mãe e/ou sogra ou, às vezes, uma profissional contratada para ajudar
(babá, enfermeira). E o problema não é só o número e sim
a qualidade desse cuidado, que tende a ser pragmático, focado em
tarefas relacionadas somente ao bebê. Não há muito espaço para as
necessidades emocionais da mãe nessa nova configuração cultural;
especialmente quando a própria mulher foge da vulnerabilidade, da
incoerência, do intangível (recomendo fortemente esse texto do pediatra Daniel Becker).
Nossa cultura pós-industrial, investida em promover aspectos
materiais, concretos e mensuráveis, não consegue dar conta desse aspecto
emotivo, ora transcendental ora sombrio. Ao invés de promover a
vivência integral desse momento, tanto o bom quanto o ruim, as normas
culturais nos chamam para o mundo externo: sentimo-nos na obrigação de
pentear o cabelo e receber visitas, servir algo para os amigos e
parentes, deixar todos segurarem o bebê, estabelecer rotinas de cuidados
e dar algum sentido a toda essa transformação. Tem gente que marca até
festas na maternidade, com direito a champanhe e buffet, para comemorar o
nascimento, ignorando por completo a delicadeza e a singularidade do
pós-parto. E não vou nem entrar no mérito da crueldade que é a cobrança
de voltar à forma física de uma mulher sem filhos, como se aquele corpo,
ainda dolorido, ainda se doando para outro ser humano, não merecesse as
maiores honrarias e o mais sincero carinho pelo milagre que gerou!
Para piorar o quadro, há um fator psicológico contundente, que também
é particular a nossa era: o fato de que, em geral, as mães escolheram,
desejaram e planejaram esse filho. Se por um lado isso é bom, por outro,
gera uma enorme expectativa/idealização. A maternidade, antes um
aspecto comum e praticamente inevitável na vida de uma mulher com vida
sexual ativa, se tornou uma condição elevada, quase santificada. Afinal,
se não houvesse uma certa idealização alguém, com o luxo de escolher,
se aventuraria a conhecer essa terra estrangeira de onde ninguém volta
sem ser transformado para sempre? No fundo, a questão que nos assombra: “por
ter sido desejada e planejada, como aceitar que nem tudo são flores
nessa condição que eu escolhi e da qual não posso retornar?”
Não escrevi esse post para assustar ninguém nem para dizer que o
puerpério é uma viagem às trevas. Tampouco quero convencê-la a
ficar numa caverna lambendo a cria, como nossos antepassados
neandertais, ao invés de chamar as visitas, encomendar os bem-nascidos e
realizar a fantasia de ter uma “bonequinha” para chamar de sua enquanto
marca sua volta à academia com o personal trainer e liga pra farmácia
para garantir o antidepressivo que o médico receitou “em caso de
tristeza” (isso foi assunto do último post, hehe). Quero só que você
saiba que o puerpério existe, e que é duro, mesmo quando é bom. Embora
tenha quem negue ou diminua o fator “punk” do puerpério, a maioria das
mulheres relata que os primeiros dias ou semanas após o parto são
difíceis, surpreendentes, marcados por altos (cheiro de neném, pele de
neném, bebê bêbado de leitinho materno!) e baixos (dúvidas mil,
inseguranças, choro, medos inéditos, tristeza). Isso é normal. Isso é
louco. Isso é a vida de mãe.
Fonte: http://amaequequeroser.wordpress.com/2014/07/07/precisamos-falar-sobre-puerperio/
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