Parto é Sofrimento?
NÃO MESMO!!
"Parto orgásmico: o segredo mais bem guardado.
'Se você não sabe das opções que tem é como se não tivesse nenhuma.
Espero que Parto Orgásmico seja mais que um filme, seja um movimento. As
mulheres devem poder escolher a forma como querem ter seus filhos. Dar à
luz é um direito humano.' Debra Pascali-Bonaro, diretora do
documentário.
Parto orgásmico não só é possível como é muito
mais comum do que parece. O debate pode ser recente, mas a possibilidade
de se encarar o parto como um evento pleno de prazer é tão antiga
quanto a própria humanidade.
Inicialmente, é importante definir
do que se trata parto orgásmico, e para tanto inicio explicando o que
ele NÃO é. Parto orgásmico NÃO é uma técnica ou um método. Parto
orgásmico NÃO é uma moda, uma “new fashion”, uma onda. Parto orgásmico
NÃO é um produto, algo que se compra ou adquire. Parto orgásmico é um
mergulho profundo no ser feminino. É a descoberta do prazer de parir; o
segredo mais bem guardado, no dizer da parteira americana Ina May
Gaskin. O parto orgásmico é uma possibilidade para qualquer mulher desde
que possa se despir das capas de medo criadas pela cultura patriarcal
que tenta dominar a força criativa da mulher, culpabilizando-lhe o
prazer e domesticando o feminino. Entretanto, as conquistas recentes
neste campo abriram as portas para a discussão da sexualidade da “nova
mulher pós-pílula” e, como conseqüência, emergiu o debate do parto como
parte da vida sexual de qualquer mulher. A partir deste momento, em
meados dos anos 80, inúmeros pesquisadores se entregaram ao estudo das
características psicológicas, afetivas, emocionais e hormonais relativas
ao nascimento e se depararam com constatações no mínimo inquietantes:
havia uma similaridade impressionante entre parto e atividade sexual em
todos os aspectos analisados. A mesma perda cognitiva, o mesmo
apagamento neocortical, a mesma necessidade de privacidade, a mesma
confluência circulatória para os genitais e os mesmos hormônios
envolvidos.
Algo além do corpo
A ocitocina surgia como
o hormônio-chave para a compreensão do fenômeno do parto. Michel Odent,
médico francês radicado em Londres o chama de “o hormônio do amor”,
porque está presente sempre que um momento amoroso se expressa, como no
parto e no encontro sexual. Além disso, seu hormônio oposto, a
adrenalina, fundamental para o orgasmo, é o mesmo hormônio implicado no
reflexo de ejeção do bebê. Fácil fica, para qualquer observador
perspicaz, que existe um claro paralelismo entre os eventos do parto e
os do sexo, fazendo-nos enxergar pela primeira vez o nascimento inserido
nas forças sexuais de uma mulher. Mas tão logo percebemos a sexualidade
escondida por detrás dos eventos que cercavam o nascimento, ficou-nos
claro que as repercussões desta “nova” visão do nascimento só poderiam
ser dramáticas. Já não seria possível encarar o parto como um evento
biológico, artificialmente controlado em função das variáveis
mecanicistas que são ensinadas na escola médica: feto, percurso e força
contrátil. Haveria que se modificar totalmente a percepção do evento que
passaria dos domínios do profano para o âmbito do sagrado. Através
desta maneira radical de compreensão, tornava-se muito difícil continuar
a entender o nascimento humano de uma forma mecanicista, pela evidência
inequívoca de que a sexualidade extrapola claramente os limites da
corporalidade. Tanto quanto no sexo, existe muito mais no nascimento
humano do que o que se pode encontrar no corpo e suas medidas.
Assim sendo, abria-se automaticamente uma nova dimensão no nascimento,
qual seja, a indissociabilidade das emoções e sentimentos ao lado dos
eventos mecânicos já conhecidos. Ficou evidente que muitas mulheres
falhavam em ter seus filhos de uma forma mais natural porque algo além
do corpo as impedia. Passamos a entender também que a própria sensação
dolorosa estava nitidamente ligada à maneira como tais mulheres
“sentiam” o parto, na integralidade dos processos participantes.
Elementos muito mais sutis (mas não menos poderosos) do que as células,
tecidos e órgãos atuam durante a prática sexual e o trabalho de parto.
Caberia a nós, assistentes do nascimento, descobrir onde estavam estas
outras “forças ocultas” que, assim como no sexo, alojavam-se em um
estrato diferente da nossa consciência superficial.
Desta
forma, a sexualidade, o prazer e o orgasmo entravam no discurso de um
pequeno grupo de profissionais que percebiam a possibilidade que as
mulheres tinham de acessar estas sensações desde que específicas
condições ambientais pudessem ser criadas. Tais condições nada têm de
complexas, dispendiosas ou caras: trata-se de oferecer-lhes dignidade,
privacidade, cuidado respeitoso e carinho. Praticamente as mesmas
necessidades que qualquer mulher procura para um encontro de amor.
O orgasmo durante o trabalho de parto pode ter um potente efeito
relaxante para a mulher. Algumas mulheres que tiveram orgasmos durante o
processo relatam que isso lhes ofereceu um “input” incrementado de
ocitocina. Tal influxo hormonal produziu – aparte de uma profunda
sensação de bem-estar – a normalização da contratilidade uterina.
Entretanto, um orgasmo durante o trabalho de parto não é algo que se
busca; não pode ser o foco objetivo deste evento ou algo a ser
conscientemente alcançado. Por outro lado, ele pode ocorrer naturalmente
quando a mulher, livre dos preconceitos e liberta das amarras do modelo
que criminaliza a sexualidade feminina, se permite sentir as sensações
que seu próprio corpo lhe oferece.
Mas qual a vantagem de ter parto orgásmico?
Que diferença positiva isso poderia produzir na vida de uma mulher ou
um bebê? A este questionamento pode-se responder com uma pergunta: qual a
vantagem de uma relação sexual prazerosa, com quem se ama, e que
termina com um orgasmo? Um parto orgásmico é essencialmente um direito
que cada mulher possui, mas para que um parto com este nível de
arrebatamento sexual possa ocorrer é necessário que os profissionais que
prestam assistência possam oferecer as condições para que tal ocorra.
Se entendermos que as condições para que um parto seja orgásmico são as
mesmas para oferecer tranqüilidade e harmonia durante o trabalho de
parto, estaremos oferecendo às parturientes uma diminuição do stress e
da ansiedade, com uma conseqüente quebra do círculo adrenalínico de
medo-tensão-dor, descrito há décadas por Grantly Dick-Read como o
principal complicador do processo de nascimento. O orgasmo durante o
nascimento só pode ocorrer quando todas as variáveis de segurança,
afeto, tranqüilidade e equilíbrio emocional estiverem garantidas. Desta
forma, o orgasmo será a conseqüência deste ambiente de positividade, e
não sua busca objetiva.
Fica claro para qualquer bom entendedor
que este tema não se presta à realização de cursos e “workshops”. Como
dito anteriormente, parto orgásmico NÃO é uma técnica, um método o uma
moda para mulheres burguesas que podem pagar por uma experiência
diferente. Parto orgásmico é uma evidência empírica presente na
experiência de inúmeros atendentes de parto e milhares de mulheres. A
princípio, tal questão assustou alguns profissionais mas depois os
instigou a se perguntarem o “porquê” de algumas mulheres o atingirem,
enquanto tantas outras apenas tratavam do parto como um evento cercado
de medo e dor.
Portanto, não se trata de fazer “cursos para partos
orgásmicos”, da mesma forma que não se ensina a uma mulher, através de
aulas teóricas ou cursos, como atingir um orgasmo. É algo de sua
experiência íntima, pessoal, assim como de sua história de vida. Os
aspectos sexuais do nascimento são pesquisados por grupos em muitas
partes do mundo, principalmente no Primal Health Institute, dirigido
pelo médico francês Michel Odent. Entretanto, a oficialidade médica
obstétrica nega as dimensões sexuais do parto de maneira veemente. Tal
negativa é fácil de entender, porque no meio acadêmico tradicional tal
reconhecimento causa mal estar. Como questionar os pilares positivistas
de nossa sociedade colocando o nascimento no mesmo patamar da
sexualidade, com todos os seus tabus e mistérios? Como alçar o
nascimento humano a esta posição sem, ao mesmo tempo, e inexoravelmente,
colocar a mulher e o feminino em evidência, pois que estes fenômenos
ocorrem na intimidade de seus corpos?
A proposta se mostra
tremendamente complexa: encarar parto como encaramos o sexo nos
obrigaria a uma reverência especial, para a qual nunca fomos habituados.
Olhar a cena de parto, escutar seus sons e seus gestos como movimentos
plenos de sentido erótico nos parece desconfortante, e nos levaria a
questionar nossa própria sexualidade. Isso nos provoca pânico.
É
impossível adentrar este novo universo aberto pela dimensão sexual do
parto sem colocar em cheque toda a estrutura autoritária que governa o
nascimento humano. Seria impossível introduzir uma mudança conceptual de
tal magnitude sem causar uma grave conturbação, pois que ela
questionaria a própria estrutura patriarcal da sociedade. Parto
orgásmico é uma discussão e um desafio. Encarar a sexualidade feminina
de uma forma mais ampla e complexa é uma forma de questionar a própria
estrutura da sociedade em que estamos inseridos. Para isso é necessário
coragem, determinação e amor pelo feminino. Combater o preconceito de
frente é algo para os valorosos de espírito, e para aqueles que encaram a
liberdade como meta última."
Por Ricardo Herbert Jones, médico obstetra
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