25 de setembro de 2014

Sobre bebês pélvicos...


Sobre os bebês pélvicos...

Na foto, bebê podálico! Eles também sabem nascer!

"Alguns pensamentos sobre partos pélvicos, para quem está na difícil tarefa de ter que escolher o que fazer. Estou aqui levando em consideração uma gestação acima de 36 semanas, pois antes disso os bebês viram. Não se preocupe com diagnóstico de bebê sentado antes das 36 semanas.

Houve um tempo, até uns 50 anos atrás, que parto pélvico era um tipo de parto. Simples assim. Os médicos sabiam o que fazer, as parteiras também sabiam, e pronto. As nossas bisavós tiveram ou tinham uma irmã ou prima que teve parto pélvico, sem maiores questões. A gente ouve de algumas pessoas mais velhas: "eu nasci de bunda".

Até que surgiu a cesárea, cada vez mais segura, cada vez mais comum. Nos cursos de medicina os médicos foram perdendo contato com o pélvico e na ausência do professor, operavam. Muitos cursos de medicina pararam de ensinar parto pélvico. Hoje em dia a imensa maioria dos obstetras sai da especialização sem nunca ter atendido um parto pélvico que não fosse um desses raros que chegam escorregando, gestante que já teve muitos partos, mal dá tempo de levar para o centro obstétrico.

Em 2000 uma pesquisadora canadense publicou um artigo enorme concluindo que o parto pélvico tinha mais risco para o bebê do que a cesárea. Menos risco para a mãe, mais risco para o bebê. Esse artigo destruiu de vez as chances de um médico aprender a fazer parto pélvico e as mulheres de terem esse direito.

Cinco anos depois, já tinham saído mais dois artigos, um provando que o anterior foi mal feito e não tinha o valor acadêmico que lhe foi atribuído e outro acompanhando essas mesmas crianças que nasceram no trabalho anterior e mostrando que a médio prazo a via de parto não fazia diferença para as crianças. Mas que a médio prazo continuava sendo pior para as mulheres a cesariana.

Agora já estão em andamento trabalhos nos EUA, Alemanha, Israel, França e Austrália mostrando que o parto pélvico é tão seguro quanto a cesárea, respeitadas algumas condições (bebê de termo, com menos que 4kg).

Qual é a questão no Brasil? A questão principal é a do risco profissional. Para os que não sabem fazer parto pélvico, vem o pavor de acontecer alguma coisa. Para os que sabem, o problema é o risco jurídico. Diante da cultura da cesariana no Brasil, qualquer coisa que aconteça num parto pélvico, mesmo que seja algo nada a ver com o parto, algo que a criança já tinha, até um problema congênito, por exemplo, o médico vai ser acusado de ter causado aquele dano.

Às vezes não é nem o paciente que move processo, mas sim outros médicos. Num parto pélvico recente que acompanhei num hospital, o bebê nasceu e foi atendido por um pediatra da casa (não deu tempo de chamar um dos nossos). O pediatra enlouqueceu por terem deixado o bebê pélvico nascer de parto normal e disse pro obstetra e para os pais que tinham fraturado as duas pernas do bebê no parto. O bebê não teve fratura alguma, raio X veio perfeito, o médico não se conformou, mandou fazer de novo o raio X, que veio perfeito novamente, e só assim ele parou de infernizar a pobre mãe e o pobre obstetra.

E tem muito médico por aí que acha um absurdo parto normal ou natural em qualquer posição, quanto mais um parto pélvico. Que loucura, que perigo!

Até mesmo em partos normais a gente vê isso. Qualquer problema que o bebê tenha, se nasceu de parto normal, a culpa foi do parto. Paradoxalmente são os bebês nascidos de cesariana que têm mais problemas. Mas ninguém se preocupa com esses, nesse caso o bebê tinha um probleminha. Mesmo que seja um pulmão molhado com 10 dias de UTI. Não são só médicos que estão tão mal-educados quanto à questão do nascimento. Toda a sociedade está. Muitos maridos, famílias, amigas, enchendo a cabeça das mulheres que terão ou que tiveram um parto pélvico normal.

Atender, dentro desse cenário, um parto pélvico, é um serviço para heróis. O risco que esses médicos e parteiras correm não é do parto. É o da sociedade em que vivemos.

É o papel de cada uma de nós aqui, como mães, profissionais e educadoras (toda mãe é uma educadora), mostrar para a sociedade, em palavras meigas e sutis, que as pessoas enlouqueceram! Que as pessoas não estão entendendo a questão do nascimento.

Ninguém pensa nos riscos que uma mulher corre a longo prazo após uma ou mais cesarianas. Ninguém quer saber das placentas acretas, prévias, rupturas, infertilidade. Ninguém cumprimenta uma mulher que teve um parto pélvico. As pessoas a chamam de louca, ou seu enfemismo mais gentil: "corajosas".

E cabe a cada uma de nós ajudar a mudar esse cenário.

Deixo aqui meu abraço a cada mãe que teve a coragem de ter um parto pélvico e um abraço ainda mais forte em cada mãe que não conseguiu vencer essa gigantesca onda contrária, quase tsunâmica. E um abraço ainda mais forte e profunda solidariedade a quem quis tentar, mas teve seu direito negado.

Todos vocês são absolutamente dignas de toda a nossa admiração.

Um abraço longo e demorado a cada profissional de saúde que tem a coragem de permtir a uma mulher parir um bebê que resolveu vir com o bumbum primeiro."

Por Ana Cristina Duarte, obstetriz
 
 

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